quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Democracia, partidos e dogmas

 
O leitor de imagens, que não lê (nem ouve) palavras, frases, textos, que não vê gráficos, nem números. Que, em vez de dizer o que pensa, aponta ou mostra a imagem. Que, em vez de dizer o que é uma esferográfica, pega numa e diz “é isto”. Que, em vez de apresentar ideias, ter e justificar opiniões, de contar histórias, de descrever os sítios por onde andou, não o faz. Que é capaz de fabricar e de construir, que até pode ser dono da fábrica, mas não de explicar. Do sim, do não, nem por isso, quero lá saber.
São alguns exemplos do que pode ser uma tendência para paradigmas de comunicação que promovem o desinvestimento nas linguagens que requerem aprendizagens longas e difíceis, mormente as que usam recursos linguísticos, mais ou menos técnicos e profissionais, mais ou menos formais.
A internet e as redes sociais vêm acentuando a tendência para uma comunicação tão instantânea quanto possível, pressionando, de diversas formas, a que se veja apenas as imagens, se não leia mais do que os títulos e se não escreva para o lixo, por mais ilusões que se tenha de que se está a comunicar com o mundo.
Em democracia e na educação, a comunicação, sendo o modo como elas operam, também é uma condição necessária, ainda que não suficiente. Os perigos da internet e das redes sociais são ainda maiores para as democracias.
Os partidos acabarão por perceber que, sem democracia, desaparecem dos parlamentos e da internet. Só não estão preocupados com isso os partidos que, devido à sua dimensão, pensam que não precisam da democracia para nada e que lhes dava muito jeito acabar com ela. São contra a ditadura, excepto de forem eles os ditadores. Se perceberem, e assumirem, que aqueles mecanismos que os colocam no poder são os mesmos que os tiram de lá, que os enganos e as ilusões, as demagogias e as mentiras com que ganham eleições também podem fazê-los perder, o ambiente democrático torna-se irrespirável, mesmo para os partidos responsáveis por esse ambiente, e o jogo democrático, impossível por quebra e desrespeito de regras. Vejo aqui o gene suicida, referido a Lévi-Strauss.
Já no que respeita aos discursos partidários e à partidarização dos discursos, temos um termo de comparação no mundo do futebol e do clubismo, e das religiões. 
A bondade de um discurso não é algo intrínseco ou que possa resultar do próprio discurso, mas do partido, ou do clube, de quem o usa, ainda que não seja o seu autor, nem tenha noção do que está a dizer, como também acontece com a IA. Por exemplo, para um comunista, um fascista está sempre errado e vice-versa. O mesmo acontece para um dogmático de direita, para quem esquerda significa sinistro, ou para um dogmático de esquerda, para quem direita significa fascismo. Com o passar do tempo, e por evolução semântica, as crianças podem ser habituadas a usar essas palavras como qualificativos que já nada têm a ver com a sua origem.
Para ganhar votos, os partidos são capazes de vestir qualquer pele, de usar até o discurso do inimigo e, para isso, a internet e as redes sociais são uma excelente ferramenta e oportunidade. Os partidos estão muito menos interessados em conquistar adeptos do que em ganhar votos e estes podem vir de qualquer lado.
Assim, está mau para os independentes e os que se pautam por preocupações de objetividade e de razoabilidade, porque pode ser difícil de saber se não estarão a reconhecer razão àqueles que pertencem a um pacote, ou sistema de ideologias, ou partido, com que não devem identificar-se, até porque, devem ser independentes. Um problema da polarização e antagonização, ou exclusão insanável dos “pacotes comerciais”, do “tudo incluído” e da “fidelização”, é que não se pode votar apenas no melhor de um ou mais pacotes.
A democracia ainda não conseguiu criar uma solução política do tipo “self-service”.
Não são os eleitores que destroem a democracia, são os partidos, democráticos por convenção e por força da Constituição, mas antidemocráticos por natureza e por definição, apesar de alguns se auto designarem democráticos. Esta incompatibilidade entre a democracia e os partidos devia ser assumida mais explicita e expressamente, quer pelas populações, quer pelos partidos, quer pelas forças armadas, que pela própria filosofia das leis e soluções eleitorais.
Desta incompatibilidade decorre que, quanto maior a abstenção, mais forte é a democracia e, quanto mais poder for “transferido” para um partido, mais o cidadão e os partidos pequenos estão desempoderados.
Uma forma de limitar um partido maioritário, ou perto disso, ou que divide o eleitorado com outro, é a sua legitimidade democrática diminuída. Sendo a abstenção, normalmente, superior à votação do mais votado, dificilmente um partido, ainda que maioritário, mas com reduzida percentagem de votos, se sentirá encorajado a prepotências e arrogâncias ou ameaças antidemocráticas, como temos assistido nos EUA e no Brasil.

Carlos Ricardo Soares

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